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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Identidade perdida

Ao longo da vida vamos criando a nossa identidade ou, pelo menos, a forma como as pessoas nos vêem. Demorei mais de três décadas para construir a minha e agora que pensava que já todos me conheciam por ser bruto, asneirento, tarado sexual, desbocado, frontal, xungoso, bebedolas e doido dos cornos, sinto que a minha reputação está em risco.

Tudo começou pelo Analfabetinho. Quando ele nasceu as pessoas começaram a olhar para mim de lado. Havia até quem perguntasse com espanto "tu tens filhos? mas tu és casado?". Sentia-me orgulhoso por haver quem se surpreenda com o facto de um gajo como eu pretender ter filhos, mas pior que isso é ter conseguido arranjar uma gaja disponível para ser a mãe.

Na verdade ela não se disponibilizou para ser mãe dos meus filhos. Tive que a amarrar. No inicio não gostou mas depois habituou-se às cordas de algodão e quando o Analfabetinho nasceu rendeu-se às evidências. O puto era lindo como o Pai e as cordas de algodão não enganam.

Nestas coisas as mulheres são maravilhosas. Têm o dom da maternidade e fazem todos os sacrifícios pelos filhos. No caso da minha mulher, está disposta a ter dívidas, a comer pratos ultra-calóricos, a ter que me aturar e a "levar" com a minha loucura e dissidência. Mas não são só coisas boas, porque também está disposta a ser amarrada só para poder ter os putos mais bonitos e perfeitinhos ao cimo da terra.

Houve uma altura em que pensei dizer-lhe que todos pais acham que os filhos são os mais lindos do mundo e que, por isso, não seria necessário ser eu o Pai. Mas como ela se adaptou tão bem às algemas e é teimosa que nem um carneiro, nem sequer lhe disse nada. Gostou tanto que já foi algemada duas vezes com objectivos de procriação. Da segunda vez nasceu a Analfabetinha. Mais uma vez, é linda e parecida com o Pai que, segundo consta, sou eu.

Mas voltando à questão da identidade...
Quando as pessoas se surpreendiam com o facto de ser casado e ter filhos lindos, percebia que a minha identidades estava intacta, mas com o passar do tempo tudo se desmoronou. Até a ideia que não fazia ponta de corno se esfumou quando me começaram a bater à porta, porque tinham ouvido dizer que eu era bom a fazer umas merdas e precisavam de ajuda. Ajuda? Fazer umas merdas? Mas o que é isto caralho!
A minha imagem de inútil estava a ir por água abaixo. O descalabro aproximava-se.

Quando vou levar o puto à escolinha já ninguém me trata pelo nome mas sim pelo "Pai do Analfabetinho". Foda-se! Eu sou o Analfabeto, não sou o pai deste cabrão deste puto lindo e adorável! Filho da puta do cachopo! Está a roubar-me o protagonismo todo! Sim, porque o que eu quero é aparecer! "Vai maszé trabalhar pá! Tu querexxxx é aparexer!", já dizia o Nuno Lopes.

Na vida profissional, houve sítios em que a incompetência das chefias deixou que a minha competência e profissionalismo fizesse esquecer a minha frontalidade e mau feitio. Para além disso, tenho umas quantas pessoas próximas que me consideram um bom amigo e outras menos próximas que dizem que sou uma pessoa integra. Mas que merda de amigos são estes caralho? Onde estão os amigos que faziam questão de passar o dia todo a trocar maravilhosos insultos ribatejanos, sem nada dessas paneleirices elogiosas?

Andei a vida inteira a construir uma imagem invejável e agora deixo de ter nome, sou casado, sou bom pai, bom amigo, competente, integro, e outras merdas-sem-jeito-nenhum-que-nem-me-quero-lembrar e até para cargos políticos me convidam. Foda-se! Estou a transformar-me num gajo normal ou, como diz o Turqueleiro, num gajo dentro da norma?

Estou a perder a minha identidade e já não vou a tempo de recuperar a minha reputação. Pior que isto, só mesmo deixar de ser gordo!

2 comentários:

Turqueleiro disse...

Há quase 15 anos que ninguém me chamava turqueleiro, pá! Estás a devolver-me a minha identidade! Obrigadíssimo! És um grande amigo! Abraço!...


...Caralho!

Unknown disse...

Pessoalmente, só venho aqui pelo asneiredo, as gajas nuas e pelos vídeos parvos... É bom que aqui, pelo menos, te mantenhas fiel à tua identidade, é que é difícil encontrar um sítio que concentre ordinarices de tantas variedades!