Web

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Orgulhosamente ribatejano vs Portas de urgência

Os meus 33 anos de vida foram divididos por várias paragens. Vivi numa aldeia pobre do Ribatejo, onde apenas havia uma professora primária para uma turma de doze crianças, de todas as classes. No natal tínhamos que dar uma prenda à professora que nos batia diariamente, nos santos dávamos-lhe broas e água-pé, na Páscoa eram cabritos e durante o ano cada aluno entregava à docente que sobrou da ditadura, galinhas, garrafões de azeite ou vinho, coelhos, fruta, legumes, presuntos, enfim, cada criança levava aquilo que o agregado familiar produzia.
Vivia-se em comunidade e tanto se partilhava o que se produzia na horta ou no curral, como, com gosto se dizia "cobras e lagartos" de toda a gente, mas sem maldade. É uma hábito cultural que caracteriza este tipo de aldeias.
Mais tarde fui para uma vila próxima, fazer o ciclo através da televisão (uma invenção do pós-25 de Abril). Chamava-se Ciclo Preparatório TV (CPTV), mais conhecido por Telescola. Todos os dias fazia 10km a pé para assistir às aulas pela televisão, "fiscalizadas" por uma assistente que distribuía chapadas e material de estudo. Acho que foi aí que começou o meu fascínio pelo audiovisual!
Terminados esses dois anos segui para uma vila um pouco mais longe, para onde me deslocava à boleia e onde concluí o 7º ano. No ano seguinte fui viver para uma cidade ribatejana onde continuei a estudar até entrar para o ensino superior em Lisboa, a capital da Estremadura. Foram 12 anos de estudo e trabalho em Lisboa, até que, regressar à província se colocou em cima da mesa e eu lá fui sem hesitar.
Actualmente vivo numa vila da Estremadura que me permite estar próximo de tudo, incluindo do Ribatejo, ao mesmo tempo que usufruo do privilegio de viver na província. Jamais irei voltar a viver em Lisboa. Trabalhar sim, viver não! Prefiro emigrar para a Coreia do Norte! Jamais irei privar os meus filhos de crescerem na província, onde ainda se pisam bostas de cavalo, se vai à horta buscar o necessário para a refeição e se matam porcos ao fim-de-semana.
Já há algum tempo, despoletado pela habitual questão "de onde és?", tenho pensado que na realidade não me sinto de lado nenhum. A minha vida dividiu-se por tantos lugares que não tenho resposta para essa pergunta. É uma sensação estranha, mas é a mais pura das verdades!
Na introspecção que tenho vindo a fazer, cada vez mais me convenço que se há um sitio de onde acho que sou e com o qual me identifico - apesar de não concordar com muitas práticas regionais - é o Ribatejo. Tenho orgulho em ser ribatejano. E se tiver que comparar, tenho mais orgulho em ser ribatejano que português.


Vem isto a propósito, da visita que fiz a uma "superfície comercial", da qual sou recente cliente habitual, situada na minha cidade natal - a capital do Ribatejo - e que ontem foi visitada pelo candidato do CDS/PP a primeiro-ministro, o senhor Paulo Portas.
A "superfície comercial" em causa, é o hospital distrital de Santarém, o novo (como se diz na região), porque o velho, onde nasci no ano seguinte à revolução dos cravos, serve agora de sede a uma instituição privada de ensino superior.
Foi ontem, no hospital novo, que percebi finalmente o orgulho que tenho em ser ribatejano. Não por aguentar dores de morte sem dizer um "ai", mas sim por ter assistido à forma como algumas centenas de ribatejanos, utentes do serviço nacional de saúde, usaram Paulo Portas como arauto do seu desagrado pela, e passo a citar, "merda de políticos que deram cabo deste país".
Sem apupos, grandes alaridos ou momentos de tensão, os ribatejanos lá foram dizendo a Paulo Portas, com a delicadeza que caracteriza uma província marcada pela pobreza e pelo trabalho duro - que ainda hoje leva pão à maioria das mesas dos ribatejanos que não têm Land Rovers, nem "botas de Almeirim" - que ele não tinha a culpa, mas como foi quem apareceu "aproveitamos e mandamos recados ao seu amigo....porque vocês comem todos do mesmo tacho".
Foi com vocabulário ribatejano e convites para vindimar e apanhar azeitona em Outubro, que Paulo Portas mostrou os dentes branqueados, alargando passo na direcção do Mercedes, que o esperava à porta das urgências. Com Portas, devido ao calor, estavam uns rapazes de fato e gravata, óculos escuros e auriculares para "ouvir o relato da bola", como lá se disse.
É normal que se use a porta de entrada das urgências para ser tratado rapidamente, mas para Paulo Portas fez todo o sentido que a usasse para sair, pois, a verdade é que se tratava de uma urgência e da necessidade de se ausentar rapidamente.
Termino com mais uma citação de uma ribatejana: " qué dizer!.....pa ver o mê home só lá pode tar duas pessoas, mas esta cambada de maricas já pode andar aí dentro, em grupo, a apertar as mãos e quem nem saúde tem pa votar! Se querem brincar, brinquem ca pilinha! Mas nã éi ca pilinha dos outros! Paneleirões!"

PS: Este post não foi publicado ontem, porque esperei para ver se as várias TVs que assistiram e filmaram este episódio, iriam incluir este momento nos habituais resumos diários de cada candidato. Dei-me ao trabalho de gravar todos os blocos informativos dos vários canais cabo portugueses e verifiquei que nenhum deles passou qualquer imagem, ou fez referência aos pacíficos acontecimentos no hospital distrital de Santarém.

3 comentários:

Alberto disse...

Com que então Ribatejano!!!!!!
Aos poucos lá vou conhecendo melhor quem está por trás do Analfabeto.

IP disse...

Eu acho que nós somos sempre de todos os sítios por onde passamos ou que de alguma forma nos marcam - embora o da infância (v. o dos pais) seja sempre único porque nunca é comparável a outro.

Sara Pavoeiro disse...

Gostei muito. Fez-me pensar que eu também sou um pouco assim. E a parte do Portas foi engraçada.